O recente vídeo "Adultização", do youtuber Felca, funcionou como um catalisador para uma conversa nacional urgente sobre a exposição e sexualização de crianças e adolescentes nas redes sociais. Ao expor práticas de influenciadores digitais, o vídeo não apenas gerou consequências legais e políticas, mas também inseriu um novo termo no vocabulário popular, forçando a sociedade a confrontar uma realidade desconfortável. Esse novo estado de alerta nos convida a usar essa mesma lente crítica para analisar um fenômeno antigo e normalizado em uma das mídias mais amadas do mundo: os animes.
O Lado Sombrio de universos dos animes
Animes são universos ricos em histórias, personagens e imaginação. No entanto, nem tudo que vemos é inofensivo. Um dos exemplos mais problemáticos é a persistente sexualização de personagens com aparência infantil ou pré-adolescente, muitas vezes representadas como "lolis".
Essa representação não é apenas um estilo artístico ou uma escolha estética. Sexualizar crianças, mesmo em animação, reforça padrões prejudiciais, distorce a percepção de infância, de consentimento e de limites, e pode normalizar comportamentos abusivos no mundo real. A ficção influencia a forma como pensamos e sentimos e, nesse caso, envia mensagens perigosas sobre o que é aceitável. O problema não é apenas legal ou moral; é também psicológico.
Exemplos que definem o debate
Para entender a profundidade do problema, basta olhar para exemplos concretos que se tornaram emblemáticos na discussão.
O caso extremo: Kodomo no Jikan
Talvez nenhum outro anime exemplifique o limite da controvérsia como Kodomo no Jikan ("A Hora da Criança"). A obra narra a história de uma aluna da 3ª série que assedia sexualmente seu jovem professor. Repleto de cenas de conotação sexual explícita envolvendo crianças, o anime foi amplamente acusado de normalizar a pedofilia, sendo cancelado em diversos países e servindo como um lembrete sombrio de até onde essa representação pode ir.
A normalização do assédio: The Seven Deadly Sins
O problema não reside apenas em obras de nicho. Em animes de imenso sucesso global como The Seven Deadly Sins, o assédio é frequentemente tratado como alívio cômico. O protagonista, Meliodas, assedia rotineiramente a Princesa Elizabeth, uma adolescente, e suas ações são enquadradas como piada, sem consequências. Essa abordagem contribui para a normalização de comportamentos de assédio, ensinando a uma audiência jovem que tais atos são triviais ou engraçados.
A prova de que outro caminho é possível
A existência de representações nocivas não significa que toda a mídia seja assim. Pelo contrário, alguns dos animes mais celebrados do mundo provam que é possível criar histórias encantadoras e profundas sem recorrer a esses artifícios.
A inocência em Meu Amigo Totoro
Nesta obra-prima do Studio Ghibli, a infância é retratada com inocência, curiosidade e imaginação. O filme reforça os vínculos familiares e o encantamento pelo cotidiano, mostrando a beleza e a pureza dessa fase da vida sem qualquer traço de malícia.
O cuidado em Ponyo: Uma Amizade que Veio do Mar
Também do Studio Ghibli, Ponyo é outro exemplo poderoso. A relação entre as crianças protagonistas é pautada pelo cuidado, pela amizade e pelo afeto sincero. O filme demonstra que é perfeitamente possível construir narrativas cativantes e emocionantes que respeitam a integridade da infância.
O chamado à consciência crítica
Falar sobre a sexualização infantil na cultura pop é um ato de cuidado com o público mais jovem e com a nossa própria percepção de ética e respeito. Ao naturalizar essa prática em conteúdos que chegam a públicos de diferentes idades, corremos o risco de reforçar estereótipos e ideias que afetam negativamente como a sociedade enxerga crianças e adolescentes.
É possível apreciar animes, explorar suas histórias e personagens e, ao mesmo tempo, refletir sobre o que é prejudicial. Consumir de forma crítica significa questionar essas representações. Pergunte-se: "O que estou absorvendo? Que comportamentos estão sendo normalizados? Que impacto isso pode ter na percepção de infância e no respeito aos limites?"
A consciência crítica é essencial para construirmos um consumo de cultura pop mais seguro, ético e responsável, protegendo crianças, adolescentes e a sociedade como um todo. O debate que Felca iniciou é um convite para que essa reflexão se estenda a todas as mídias que consumimos e amamos.