Jaguar, cartunista lendário da imprensa brasileira e um dos fundadores do irreverente jornal O Pasquim, faleceu neste domingo (24), aos 93 anos, no Rio de Janeiro. Internado no Hospital Copa D’Or por conta de uma infecção respiratória que evoluiu para complicações renais, o artista estava sob cuidados paliativos nos últimos dias. O velório será realizado nesta segunda-feira (25), das 12h às 15h, na Capela Celestial do Crematório Memorial do Carmo.
Figura central na cultura alternativa brasileira, Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe — o Jaguar — teve uma trajetória marcada pelo humor ácido, crítica social e coragem editorial. No mês passado, participou de um ensaio fotográfico para a revista ELA, do jornal O Globo, celebrando quase centenários. Na ocasião, deu sua última entrevista, refletindo com bom humor: “Tive uma vidinha boa. Ia vivendo o momento.”
Nascido em 29 de fevereiro de 1932, no Rio, Jaguar iniciou sua carreira em 1952 na revista Manchete. Adotou o pseudônimo por sugestão do cartunista Borjalo. Trabalhando no Banco do Brasil sob a chefia do cronista Sérgio Porto, resistiu à tentação de abandonar o emprego até 1974, quando decidiu se dedicar integralmente ao humor gráfico.
Nos anos 1960, consolidou-se como um dos nomes mais relevantes do cartum nacional, colaborando com publicações como Revista Senhor, Civilização Brasileira, Última Hora e Tribuna da Imprensa. Em 1968, lançou seu primeiro livro, Átila, você é bárbaro, sucesso imediato que usava o traço como ferramenta crítica ao preconceito e à violência. O escritor Paulo Mendes Campos descreveu a obra como “poesia gráfica”.
O legado do Pasquim e dos personagens icônicos
Em 1969, ao lado de Tarso de Castro e Sérgio Cabral, Jaguar fundou O Pasquim, que se tornou símbolo da imprensa alternativa durante a ditadura militar. A publicação foi lar de gigantes como Ziraldo, Millôr Fernandes, Henfil, Paulo Francis e outros ícones do jornalismo e do humor.
Entre suas criações mais marcantes estão personagens como:
- Sig, o ratinho neurótico e libidinoso, símbolo do Pasquim.
- Gastão, o Vomitador, que reagia com náuseas aos absurdos do noticiário.
- Outros como Bóris, o Homem-Tronco, Wilson, o Dubitativo e Lulu, o Protozoário.
A criatividade de Jaguar ia além das tiras: ele desenhava campanhas publicitárias, como a série Chopnics, criada para a Skol, e não se furtava a provocar autoridades, mesmo sob risco de censura ou prisão.
Censura, prisão e resistência
O humorista foi preso em 1970 durante o regime militar, após uma charge considerada ofensiva. Passou três meses detido e ironizava o período como “a fase mais feliz da minha vida”. Mesmo perseguido politicamente, Jaguar nunca deixou de criticar os poderosos com seu traço irreverente.
Em 2008, recebeu uma indenização do governo brasileiro por conta da repressão sofrida, o que gerou críticas, às quais respondeu com o mesmo sarcasmo que marcou sua carreira.
Humor, jazz, futebol e... cerveja sem álcool
Apaixonado por jazz, poesia e futebol (vascaíno declarado), Jaguar foi também um cronista de costumes. Viciado em jornais impressos e com humor afiado até o fim, tornou-se abstêmio aos 82 anos devido a problemas no fígado, mas continuou brincando: “Agora só tomo cerveja sem álcool. Tem 0,5%, né? Vai que um dia acumula...”.
Sobre suas habilidades no desenho, era direto: “Nunca soube desenhar. Fui um fiasco nas escolas de arte.” Mesmo assim, influenciou gerações de cartunistas como Angeli, Laerte, Chico e Paulo Caruso.
Último do Pasquim
Jaguar foi o único membro da equipe original que permaneceu no Pasquim até sua última edição, em 1991. Em 1990, o grupo foi homenageado pela escola de samba Acadêmicos de Santa Cruz com o enredo “Os heróis da resistência”.
Ele deixa a esposa, Célia, e a filha, Flávia Savary.
Fonte: O Globo